Os sonhos cantados



Era uma bela e ensolarada manhã. O Sol estava presente, mas não fazia muito calor e era uma manhã de primavera. Então, nesse belo cenário, duas aves já anunciavam o início de um longo dia. Eram dois belos pássaros e eles estavam no topo de uma frondosa amendoeira. Então, um pardal e um bem-te-vi conversavam:
  • Que belo Sol, que céu azul - comentou o pardal.
  • Sim, pretendo ainda hoje chegar lá naquela montanha - completou o bem-te-vi, olhando ao longe.
  • É um pouco distante, mas voando com calma dá para chegar lá antes do Sol se pôr.
  • Com certeza. Logo estarei batendo minhas asas...
  • Para ti é mais fácil, uma vez que não possuis filhotes e nem uma companheira.
  • E por falar nisso, como vão seus filhos? - perguntou o bem-te-vi.
  • Estão lindos. Já estão voando alto, já são independentes e eu já sou vovô.
  • Parabéns! E você tem mais planos?
  • Muito além de planos, eu tenho sonhos. E você meu caro bem-te-vi, quais teus sonhos?
  • Olha... Não sei.
  • Mas como assim? - questionou o pardal - Todos nós temos um sonho.
  • Você tem algum sonho? Conte-me? - pediu o bem-te-vi.
  • Eu sonho em ter mais filhotes; sonho em poder voar mais alto; ter belos ninhos, cada vez mais confortáveis; cantar muito mais e, tão alto, que os pássaros possam ouvir-me além do horizonte. Sonho em não ser perseguido por aves maiores e manter uma relação fraterna com todas elas. Assim como nossa amizade - declarou o pardal. Sonho em poder dividir o espaço com todos os seres, vivendo juntos, em perfeita comunhão; que haja mais espaço para nós, tanto no céu, quanto na Terra, nas árvores e onde mais pudermos nos instalar. Ah, e que nossa espécie possa sobreviver se alimentando somente de frutas e folhas. Enfim…
  • Mas como assim? Quantos sonhos você tem! Como você consegue? Muita coisa… Esvazie-se um pouco mais. Sonhos podem se tornar pesos em nossas asas, nos impedindo de voar de maneira mais liberta, mais ousada diria.
  • Claro que não. Eu apenas sonho. E sonhar faz bem. Nos mantém vivos, ativos. Sonhar não dói, não faz mal. Eu acho que estou um pouquinho melhor que você em relação à esperança de vida, e a outras perspectivas, não? - cutucou o pardal.
  • Não senhor, senhor pardal! O fato de eu não sonhar com nada não quer dizer que eu não tenha esperança na vida, ou algum tesão por viver. Pelo contrário!
  • “Mas como assim”, eu quem lhe pergunto! Como pode viver sem sonhos?
  • Eu vivo e muito bem.
  • Mas você não sabe quais seus sonhos, muito menos o que você quer?
  • Não. Eu não sei o que eu sonho para minha vida. Mas eu sei o que eu não sonho. Eu tenho ciência das coisas que eu não gosto, das coisas que eu não devo. Eu conheço o que me faz mal e eu sei do que não me agrada. Eu me mantenho afastado de muitas coisas que não me alegram, que não me inspiram e que não me trazem felicidade. Eu procuro voar para bem longe dessas coisas. Meu canto não é para que seja ouvido ao longe e sim para que meu coração se regozije e, com isso, impulsione minhas asas. Logo, junto ao som do meu canto, vôo ao infinito, ao além. Portanto, concluindo, eu sei do que eu não gosto; eu sei do que eu não quero; tenho certeza das coisas que não me agradam e, essas coisas, também, me mantêm vivo e me fazem voar por aí, feliz e contente, me livrando dos fatídicos males que nos cercam.
  • Nossa! Não sei o que dizer meu velho amigo, bem-te-vi. A tua experiência me fascina e a cada dia, que me encontro contigo aqui todas as manhãs, me ensinas muito sobre a vida. Obrigado por abrir minha mente em relação às coisas que eu não venha a gostar e que não me fazem, ou que não farão bem. De repente essas coisas são quem devam prevalecer na minha vida e não as que venham a me agradar, como os sonhos que lhe contei. Obrigado por me orientar, mesmo que sem querer, meu amigo, bem-te-vi.
  • Não há de quê, meu jovem amigo pardal. Os teus sonhos são puros e belos. És digno de inspiração, também. Eu que lhe agradeço por, além de, manter-me firme na minha posição e de saber o que eu não gosto, também fazer-me ficar mais atento ao que eu possa vir a gostar e me apegar. Quem sabe eu não passe a sonhar daqui pra frente? E você a sonhar menos, a fim de dar espaços a novas percepções. Pois, quanto mais vazios, melhor recebemos inspirações e aprendizados. Sonhe menos, faça mais. Tente ver desta forma também. Assim o farei em relação aos sonhos que possam estar faltando sim em minha vida. Tudo deve-se ter equilíbrio não é? Como nossas asas: só com uma não voamos; uma maior que a outra, também não. Nos tornamos inúteis...
Os dois respiraram fundo, olharam um para o outro e com aquele sentimento de “até logo”, bateram asas e voaram até sumirem no horizonte, onde o azul do céu mesclava-se com verde da montanha ao longe...

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ou como se filosofa com uma agulha

Seja aqui e agora

Ontem e hoje